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Hemofilia: onde buscar ajuda?
Doença ainda pouco debatida faz com que muitas vezes nem os médicos suspeitem da disfunção genética ao se depararem com inchaços e inflamações articulares
Paulo Rossi -
Os roxões pelo corpo, às vezes desde o nascimento, podem ser o primeiro sinal de alerta. É preciso verificar se o quadro não é de hemofilia. Nesta semana, em que a campanha Não deixe a vida sangrar espalha-se ao redor do globo, a Federação Brasileira de Hemofilia engrossa o chamamento mundial pela adesão ao tratamento preventivo, diretamente relacionado à qualidade de vida das mais de 12 mil pessoas com a doença no Brasil. O objetivo é claro: evitar que os pacientes sofram com hemorragias e uma série de sequelas físicas.
Em Pelotas, o evento que irá reunir profissionais de saúde, hemofílicos e familiares será realizado hoje durante toda a tarde no Hemocentro Regional (Hemopel), referência a 80 pacientes de toda a Zona Sul. “Queremos que, principalmente, as crianças não venham a ter sequelas severas e possam ter uma vida normal, sem ser criadas em uma redoma de vidro, como até poucos anos”, destaca a responsável pelo setor de Coagulopatias do Hemopel, Aline Machado Feijó.
E o interesse da enfermeira sobre o tema virou, inclusive, tese de doutorado sob o título A experiência de homens com hemofilia no Sul do Rio Grande do Sul. Foram quatro anos de estudos e relatos coletados - através do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) - e uma convicção: muitas vezes, nem a classe médica cogita a doença, quando busca fechar um diagnóstico. Afinal, os sangramentos típicos, além de hematomas na pele, ocorrem dentro de articulações e confundem o quadro. Inchaço, inflamação e dor. Não raro, sem causa aparente. É a hemofilia, ainda pouco pesquisada e divulgada, deixando suas marcas.
Avanços fundamentais
Desde 2012, a palavra prevenção passou a fazer parte da rotina dos hemofílicos. Até 2011, os pacientes só tinham acesso ao Fator de Coagulação depois de um novo sangramento, o que fazia com que muitos tivessem de conviver com dores constantes e repetidos afastamentos tanto da vida profissional como da sala de aula. Nos últimos anos, entretanto, o Ministério da Saúde decidiu investir na profilaxia e passou a distribuir as doses para cada um deles utilizar a medicação injetável de duas a três vezes por semana; conforme orientação médica. E, o melhor, a aplicação é feita em casa mesmo.
São medidas que ajudam a evitar as hemorragias, mas não são a certeza de que novos casos não irão ocorrer - destaca a enfermeira, que não deixa de enxergar o tratamento permanente como uma conquista aos pacientes. “A profilaxia é uma oportunidade de eles terem uma vida normal, de poderem estudar e trabalhar, sem as sequelas, as atrofias e as deficiências com que muitos ficavam”, enfatiza Aline.
Dos tratamentos desde a infância à aposta na Medicina
A cada dia, a expectativa cresce. O jovem aguarda a liberação de doses extras do Fator de Coagulação para poder realizar a cirurgia (particular) e colocar próteses nos dois tornozelos. Desde a adolescência, Rafael Islabão, portador de hemofilia A grave, tentou de tudo para preservar as articulações. Sem efeito. Natação, fisioterapia, uso de anti-inflamatórios, infiltrações de corticoide e injeções de Rádio Sinoviortese; um material radioativo aplicado para tentar interromper o ciclo repetitivo de sangramentos. Nada deu resultado, apesar do giro por Mato Grosso, Rio de Janeiro e Paraná na tentativa de reverter o quadro.
Hoje, com a degeneração articular, a recomendação é de implantar as próteses, já autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não oferecidas pelo SUS. “Acabei precisando trancar o meu curso. Queria segurar até a minha formatura, mas não deu. Percebi que as dores e dificuldade de caminhar estavam atrapalhando, inclusive, a minha formação”, lamenta o acadêmico de Medicina da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). E não nega: a rotina de exames e de cuidados com a saúde, desde a infância, despertou o interesse. “Por sofrer na própria pele, fiquei influenciado a querer ajudar. Até hoje, não se sabe o que fazer com o hemofílico.”
E o desabafo do futuro médico se sustenta. Ao enfrentar hemorragias na gengiva do primogênito Marcos, ainda bebê, a mãe Francisca Islabão - presidente da Associação Regional de Hemofílicos - logo lembrou dos comentários em família, propagados desde criança, de que os tios tinham o “sangue solto”. Logo, o diagnóstico dos dois filhos, Marcos e Rafael, estava concluído: eram hemofílicos. Uma doença que os têm dividido entre dois atos: comemorar os avanços no tratamento e lutar pela divulgação da causa.
Projeto de extensão combate as lesões
As sessões de fisioterapia não se encerram com os atendimentos previamente agendados aos pacientes do Hemopel. Desde 2012, um projeto de extensão desenvolvido pelo curso de Fisioterapia da UCPel se transformou em mais uma ferramenta para que não voltem a ter lesões. É, então, na piscina do Campus Doutor Franklin Olivé Leite que todas as sextas-feiras, à tarde, diferentes gerações participam das atividades de hidroterapia, desencadeadas por 12 acadêmicos do 6º ao 9º semestres.
“A intenção é que eles possam recuperar a amplitude completa dos movimentos, assim como a força e o equilíbrio”, explica a coordenadora do projeto Hidroterapia aplicada às coagulopatias, a fisioterapeuta Elisa Kaminski. Afinal, com a repetição dos sangramentos, não raro, existem desgastes articulares e musculares, que comprometem a mobilidade de parte dos pacientes.
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